“Passado isso tudo, o público vai perguntar: O que vocês fizeram por mim? Onde estavam na crise? Muita gente e muita empresa responderão de peito aberto e cabeça erguida. Aos que ainda não podem fazer isso, há tempo para realizar coisas relevantes. Se não tiver recursos materiais, dê tempo e esforço, muito valiosos. Você se lembra a vida inteira da pessoa que lhe ajudou num momento crítico. E não esquece quem não fez nada na hora da precisão. Eu nunca me esqueci de quem investiu em mim quando eu não era nada. Aqueles que se posicionaram de maneira contundente a favor de quem precisa terão dianteira enorme nos corações e nas mentes das pessoas quando esta crise passar. E ela vai passar.” (Nizan Guanaes)
Essa é uma outra grande dúvida e para a qual não há uma resposta definitiva. Mas, em geral, a resposta é sim – desde que se entenda que assumir uma posição política não significa defender um político, mas ocupar um espaço na sociedade apoiando causas importantes. Quer um exemplo? Quando a Nike, em 2018, escolheu o jogador de futebol americano Colin Kaepernick, símbolo da luta contra o racismo, para ser o garoto propaganda da sua campanha de aniversário de 30 anos, as vendas cresceram 31%. A questão do preconceito racial é um debate predominantemente político? Claro que sim. Mas não é sobre políticos e, sim, sobre políticas públicas cujos desdobramentos são sentidos por todas as pessoas. Então, de certa forma, é importante para as marcas, e para a sociedade, que grandes empresas assumam posições e aproveitem o seu espaço midiático para promover o debate e a conscientização. Natura e Boticário têm feito isso e o resultado é a percepção positiva que se tem das marcas.
Já queria escrever sobre isso há algum tempo, mas dois acontecimentos recentes me fizeram pensar ainda mais sobre isso.
Primeiro, a participação do Padre Júlio Lancellotti no Papo de Segunda, um programa bem bacana apresentado pelo Fábio Porchat, obviamente às segundas-feiras, na GNT. A história do Padre fala por ele, mas ouvi-lo falando sobre solidariedade e empatia, mostrando a sua abordagem consciente e, ao mesmo tempo, amorosa, foi um soco no estômago. Fazemos pouco pelo próximo, principalmente, por aqueles que mais precisam. E isso me fez pensar nas marcas, no poder das empresas de transformar a sociedade desde que elas queiram, desde que estejam orientadas para isso. Uma empresa que lucra um bilhão de reais por ano, por exemplo, teria a capacidade de devolver quanto disso para a sociedade sem mudar absolutamente nada na sua saúde financeira e no patrimônio das próximas gerações dos seus donos? Eu sei que no Brasil há questões tributárias que tornam até a filantropia um negócio complicado. Mas, de verdade, será que não falta vontade de assumir algumas causas? Quando falamos disso, não estamos tratando de política? Afinal, a palavra vem do termo grego politiké – “polis” significa cidade e “tikós” se refere àquilo que é público, ou seja, aos bens comuns dos cidadãos, que não se referem apenas ao patrimônio público, mas ao bem-estar da sociedade.
O segundo foi a matéria da Exame comentando que a “Quem disse Berenice?” optou por ter Gabriela Prioli em suas campanhas porque, segundo a revista “é crescente a frequência de campanhas publicitárias com influenciadores que defendem alguma causa ou que fomentam debates mais relevantes”. Ter uma mulher que se destaca pelo que pensa e pelo que fala como garota-propaganda não é uma novidade. Mas observar que isso é uma tendência, reforça a ideia de que as marcas precisam se posicionar sobre questões cujos desdobramentos envolvem questões políticas. Diversidade étnica, orientação sexual, questões de gênero, feminismo e representatividade são, entre outras coisas, temas cada vez mais urgentes, por mais que, temporariamente, estejamos aparentemente sob o domínio político de um grupo que se posiciona na vanguarda do retrocesso.
Voltando ao começo deste texto, o processo de separar “posições sobre questões políticas” da “defesa de posições de políticos” é uma linha tênue, sobretudo em momentos de intensa polarização. No entanto, a história costuma ser implacável. Entender para onde o mundo vai é uma maneira de manter a marca do lado certo em debates que, para dizer a verdade, nem deveriam existir em pleno século XXI.
autor: Fábio Eloi
fonte: ABC da Comunicação