Tudo isso indica, a meu ver, que o todo-poderoso consumidor agora espera um profundo nível de compromisso emocional e de responsabilidade social das corporações e de suas marcas — não se trata, portanto, de um movimento anticonsumista. Na verdade, a maioria dos consumidores sente que as marcas são um elemento essencial em suas vidas: criam empregos, avalizam o nível de qualidade dos produtos e lhes proporcionam certas experiências. As marcas simplificam a vida dos consumidores, ajudando-os a fazer escolhas em um mercado repleto de bens e serviços. O fato é que as pessoas adoram as boas marcas, que as fazem sonhar e se sentir mais seguras. Elas podem trazer alegria, esperança, experiência sensorial e conforto num mundo frio e high tech.
Uma genuína boa marca pode até mesmo representar as qualidades que buscamos na maioria dos amigos e na família — calor, intimidade e confiança. É claro que, por vezes, as corporações cometem erros terríveis. Mas, com um ilimitado acesso à informação, as pessoas agora podem conhecer a verdade sobre as marcas que apóiam. Elas compreendem seu poder no mercado. Elas estão hoje muito mais atentas para o fato de que há milhares de produtos e serviços para escolher a cada hora que fazem compras. Corporações e marcas, tal como os políticos, são eleitas a cada dia. Os consumidores votam com suas carteiras. Portanto, os executivos precisam estar cientes de que as marcas não pertencem às corporações, mas aos consumidores — principalmente daquelas empresas que ambicionam capturar o coração dos clientes e se tornar autênticas marcas emocionais.
A emoção humana é o oxigênio, a chave do sucesso no mercado. Nem todas as marcas nasceram iguais. O valor da percepção emocional aumentou consideravelmente. Mas, no mundo corporativo, nem todos compreendem o que isso significa. Fica-se discutindo temas como missão da empresa. Isso é percepção corporativa, não o que o consumidor quer ouvir. Mais do que nunca, as empresas devem dar o passo decisivo para estabelecer conexões mais fortes e relacionamentos que identifiquem seus clientes como parceiros. Hoje, a indústria precisa trazer às pessoas os produtos que elas desejam, no momento em que precisem ou queiram, em locais inspiradores e que atendam profundamente às suas necessidades. Bem-vindo ao mundo da criação de marcas emocionais, um coquetel de antropologia, imaginação, experiências sensoriais e uma reação que leva à mudança.
Marcas e democracia * Quando fui morar nos Estados Unidos, a primeira coisa que minhas filhas descobriram é que lá havia uma abundância de canais de televisão. A lição de casa ficou em segundo plano, o que provoca reação em qualquer pai europeu. Uma delas me disse: “Pai, este é um país livre”. Falou isso de maneira patriótica, embalada pela emoção de liberdade. Veja como é poderoso. Você não encontra marcas comerciais fortes em ditaduras. Para que floresçam, é preciso que haja uma sociedade livre, competição de mercado e classe média.
Discute-se missão. Isto é percepção corporativa, não o que o consumidor quer ouvir
Acredito que as marcas são uma evidência de liberdade e progresso. É nesse ponto que se coloca a responsabilidade das marcas com a sociedade. É por isso que o colapso da Enron e o fato de que não se podia mais confiar no sistema tiveram nos Estados Unidos um efeito tão devastador quanto o 11 de setembro, quando o país inteiro entrou numa espiral de ansiedade. Apenas quatro dias depois, a Jet Blue veiculou um anúncio informando que a porta da cabine dos pilotos de suas aeronaves seria reforçada. Essa é a maneira correta de lidar com a questão. Em contraposição, há campanhas como aquelas dos cartões, lembrando que você não deve sair de casa sem eles. Errado. Isso não ajuda as pessoas. Comunica medo. E mensagens de medo reforçam reações de medo.
O que mais me impressiona na maneira como a Shell se comunica é que nunca dá a palavra final. A empresa reconhece que, por vezes, faz coisas erradas. Ouve os problemas relatados por ativistas e diz: “O.k., estamos trabalhando na solução”. Os ativistas respondem: “Acreditamos na sua mensagem, mesmo sem concordar com a sua política”. Existe nos Estados Unidos uma empresa de cosméticos, a MAC, que doa parte de seus lucros a fundos de combate à Aids. No início do ano passado, como os números estavam caindo, a direção da empresa informou que talvez não pudesse manter o compromisso com os fundos. Em três semanas o faturamento começou a crescer novamente. As pessoas ficaram tão apaixonadas pela mensagem que trouxeram a empresa de volta.
Não há marcas comerciais fortes em ditaduras. É preciso liberdade e competição.
O poder dos consumidores * A primeira e fundamental questão a que uma empresa deve responder é: quem é meu cliente? A segunda: qual a missão da minha marca? A terceira questão é como conectar, por meio da emoção, a marca com o cliente. Na era da sociedade industrial, a decisão estava nas fábricas. Hoje, numa economia comandada pelos consumidores, são eles que escolhem as marcas. O que as empresas precisam desenvolver é uma visão do que separa a empresa da sociedade. É preciso quebrar o muro. A empresa precisa monitorar como variam esses hábitos e essas expectativas em constante mudança.
Em apenas 15 anos, a Dell se tornou a maior marca de PCs do mundo. A GM descobriu que o eBay era o maior distribuidor de carros usados dos Estados Unidos. E, se a Intel não tivesse mudado radicalmente seu conceito, não poderia concorrer com os fabricantes japoneses de chips. O papel das marcas já não se limita aos benefícios funcionais. Num tempo em que a diferenciação entre produtos se tornou mínima, são os benefícios emocionais que estabelecerão os vínculos com os consumidores. É aí que se alcança uma diferenciação significativa, que pode ser decisiva na hora da opção. Uma marca de sabonete aromático, com intangíveis benefícios terapêuticos, chega a ser vendida pelo dobro do preço do item convencional, feito de glicerina. Até 15 anos atrás, as únicas escolhas que se tinha para tomar um café era entrar num bar e engolir um café normal, ou comprar um pacote no supermercado. Surgiu, então, a Starbucks. Ela compreendeu que o ato de tomar café ia além do físico e explorou o conceito da experiência do prazer, desenvolvendo um espaço onde as pessoas poderiam desfrutar dessa experiência.
A marca Brasil * Devido às decisões políticas do atual governo, a marca America, de mais admirada do mundo, passou a ser desrespeitada e a inspirar desconfiança. Mas as marcas comerciais americanas não têm armas, são cidadãs do mundo. E como são afetadas pela polêmica do imperialismo? Acho essa discussão fascinante porque mexe diretamente com o aspecto emocional. Mas os consumidores, com o tempo, começam a distinguir uma coisa da outra. Veja a marca Brasil. Acho que a avalio melhor do que os brasileiros, que precisam trabalhar sua auto-estima. O Brasil tem uma imagem potencial muito boa, associada a beleza, amizade e sensualidade. Mas a única mensagem que se recebe lá fora é sobre a criminalidade. O país não está comunicando como deveria para que as pessoas sejam atraídas e se apaixonem pelo Brasil, como aconteceu comigo.
O poder do design * O design é a expressão mais potente de uma marca. O Fusca, a Gillette, a moda de Issey Miyake e as lojas da Godiva são exemplos de uma longa lista de designs de produtos ou de ambientes que funcionam. São a prova viva de que no fim das contas o design cria emoções, experiências sensoriais e, finalmente, vendas. Sempre acreditei que o design pertenceria, na verdade, ao século 21 — a idade da emoção –, e essa previsão está agora começando a se tornar realidade. O design transmite individualidade e originalidade, que vão contra a sensação de medo, devido à tecnologia, à insegurança das cidades e à modernização. O museu Guggenheim, em Bilbao, tornou-se uma solução arquitetônica tão única que passou a atrair milhões de pessoas, gerando impacto na economia da cidade. As pessoas percebem como o produto e a embalagem comunicam. Exemplos claros são as campanhas da vodca Absolut e dos celulares da Nokia. Veja a Apple. Ninguém precisa contar nenhuma história. O produto fala por si.
Extraído de entrevista a Nelson Blecher, durante visita a São Paulo, a convite do banco ABN Amro Real