Pense nas pessoas mais inteligentes que você conhece. É possível que elas não sejam tão inteligentes assim, e sim pessoas muito bem informadas, cheias de conhecimento. As duas coisas são bem diferentes.
A American Psychological Association define a inteligência como:
“Habilidade de compreender ideias complexas, adapta-las eficientemente ao ambiente, aprender com a experiência, empenhar-se em diferentes formas de raciocínio, superar obstáculos através do pensamento”.
Tal definição está de acordo com a de Alfred Binet, um dos primeiros a estudar e avaliar a inteligência, lá em 1900, que conceituou como “bom senso, senso prático, iniciativa e capacidade de se adaptar às circunstâncias”.
Uma visão mais moderna, de Robert Sternberg, associa a inteligência ao sucesso na vida dentro do seu contexto sociocultural. Inteligente é a pessoa que usa sua habilidade mental para ser bem-sucedida naquilo que deseja — pensamento com propósito. Essa é uma visão mais democrática da inteligência, uma qualidade não mais restrita a engenheiros e cientistas, mas acessível a todo mundo — empreendedores sem diploma, astros do rock e atletas.
A “Teoria Triárquica da Inteligência” de Sternberg mostra que a inteligência é fundamentada em três aspectos: componentes, experiência e contexto. O conhecimento, que está dentro do primeiro grupo, é uma conexão individual, ou seja, depende somente de você, o que quer dizer que resultados diferentes podem ser obtidos da mesma fonte por duas pessoas diferentes. A experiência tem a ver com a descoberta e experimentação. Já o contexto é como você aplica os componentes e a experiência a um mundo complexo e reacionário — como você se adapta e molda o que sabe em diferentes situações. Alguém verdadeiramente inteligente possui os três, mas é sobretudo como ele aplica é que faz a diferença no mundo.
É importante destacar essa diferença entre informação, conhecimento (informação interiorizada) e inteligência porque vivemos em uma era de informação abundante, e o excesso de informação e conhecimento não é tão útil sem a inteligência para a aplica-lo. Afinal, toda pessoa inteligente gostaria de ver seu trabalho inteligente sendo reconhecido.
Alguns anos atrás, em uma palestra sobre escrever bem para alunos de Harvard, o famoso autor Steven Pinker falou da tendência da escrita científica de ter de explicar detalhadamente cada aspecto, como se falasse para crianças de 6 anos, e culpou a necessidade dos acadêmicos de terem que se preservar cercando bem o assunto. Ele fez a plateia rir ao chamar isso de CYA (“Cover Your Anatomy”, um eufemismo para outra versão menos delicada,).
Mas Pinker não se referia apenas à escrita científica, e sim a qualquer texto, e até a comunicação em geral. Incentivando os jovens acadêmicos mais valorizados do mundo a usarem uma linguagem mais prática, aumentarão as chances de seus trabalhos serem mais lidos. Pinker defendeu a voz passiva (O curso de escrita científica da USP vai lhe dizer o contrário) e menos uso de abstrações, e citou Richard Dawkins como um exemplo de cientista que consegue falar para grandes audiências. O próprio Steven Pinker é outro exemplo. Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia, também.
Talvez isso ajude a explicar porque é tão raro livros de professores universitários brasileiros ganharem popularidade fora da área — algo muito comum nos EUA. A maioria está tomada pela maldição do conhecimento, a mesma que Steven Pinker culpou pela má escrita.
Você sofre do mal quando tem conhecimento sobre algo e falha em entender que a outra pessoa não tem, ou não sabe tanto quanto você. Você se esqueceu de como é não saber daquilo.
O impacto da maldição do conhecimento vai além de textos que fracassam em conquistar a audiência, e atinge produtos cujos botões as pessoas não sabem para que serve, palestrantes que sabem muito e entediam a todos, vendedores que por possuir mais informação acaba tornando a negociação menos atraente para o cliente e estratégias empresariais mirabolantes que não fazem qualquer sentido para a maioria dos funcionários. Em outras palavras, saber demais está atrapalhando em vez de ajudar.
O termo criado em 1989 por três economistas veio muito antes do Wikipédia bater a marca do 1 milhão de artigos (hoje são cinco), do TED disponibilizar 2.000 palestras em diversos idiomas, de pessoas trocarem conhecimento em fóruns e notícias pelo Facebook, de termos acesso a rádios e jornais do mundo todo em segundos. Se a assimetria de informação já era um problema real naquela época, imagine em 2015, na era da big data, do data mining, dos EADs, da massificação do coaching e outras técnicas, ferramentas e conceitos a que nós somos expostos com frequência.
O termo criado em 1989 por três economistas veio muito antes do Wikipédia bater a marca do 1 milhão de artigos (hoje são cinco), do TED disponibilizar 2.000 palestras em diversos idiomas, de pessoas trocarem conhecimento em fóruns e notícias pelo Facebook, de termos acesso a rádios e jornais do mundo todo em segundos. Se a assimetria de informação já era um problema real naquela época, imagine agora, na era da big data, do data mining, dos EADs, da massificação do coaching e outras técnicas, ferramentas e conceitos a que nós somos expostos com frequência.
Então, é apenas uma questão de garantir que os dois tenham as mesmas informações acerca do assunto? É. O problema é que isso não é nada fácil. A gente tem a tendência de superestimar o nosso “achismo”, somos confiantes demais e por isso erramos mais. Achamos que os outros sabem o que nós sabemos, e isso acontece tanto de engenheiro para engenheiro, como de engenheiro para um botânico.
A maldição do conhecimento está fazendo com que produtos com potencial fracassem (quando alguns atributos não são percebidos como valor pelo cliente, mas ele paga por isso), ideias interessantes não sejam levadas a sério, estratégias corporativas não ganhem adesão. Em todos os casos, há alguém falando com alguém que não está escutando.
A maldição do conhecimento não tem cura, mas tem tratamento, e o tratamento é ter sensibilidade para fazer todos andarem junto com você. Colher feedbacks constantes de pessoas semelhantes com quem se pretende falar é uma boa maneira de conseguir isso. O importante não é o que se tem, mas o que se faz com o que se tem, e é preciso inteligência para aplicar o conhecimento adquirido com eficiência. Edward DeBono, o autor do interessantíssimo conceito de pensamento lateral, descreve bem:
Muitas pessoas altamente inteligentes são pensadores pobres. Muitas pessoas com inteligência mediana são pensadores habilidosos. A potência de um carro é separada do jeito de conduzir o carro.
Pense nisso.
autor: Sylvio Ribeiro
fonte: Pequeno Guru