Mundo afora montadoras emprestam tecnologia e engenheiros tanto para desatar o nó dos respiradores mecânicos inoperantes como também para multiplicar o número de aparelhos. E vão além em suas contribuições no embate contra o novo coronavírus: doam máscaras, emprestam carros, imprimem EPIs e até hospital de campanha erguem.
Mas o que leva empresas gigantescas como as montadoras a entrarem na guerra contra o coronavírus? Segundo especialistas ouvidos pelo site UOL Carros, há vários interesses embutidos nas boas ações – todos eles genuínos.
Um deles trata da reputação da empresa. “De uns cinco anos para cá, o que era uma tendência e hoje se tornou obrigatório é a ideia de que para sobreviverem as marcas precisam apontar para a sociedade qual seu papel no cotidiano das pessoas. Deixar seu propósito evidente e dizer como podem colaborar com algo além do produto ou serviço que vendem”, avalia Eric Messa, coordenador da graduação em Publicidade e Propaganda e do Núcleo de Inovação em Mídia Digital da Faculdade Armando Alvares Penteado.
Parte dessa mudança vem das redes sociais, que deram mais poder ao consumidor. “Essa capacidade de voz foi ao longo dos anos se incorporando numa sociedade onde o consumidor é mais critico. Esse olhar faz com que possa exigir mais das marcas”, explica Messa.
Como embasamento, o professor cita a edição de 2018 da pesquisa “Trust Barometer”. Realizado pela Edelman, agência global de Relações Públicas, o estudo mede os índices de confiança no governo e em empresas, ONGs e mídia. A pesquisa ouviu mais de 33 mil pessoas em 28 países, com o trabalho de campo realizado entre 28 de outubro e 20 de novembro de 2017.
Um dos apontamentos de Messa é para a conclusão de que 62% das companhias que só pensam em si mesmas e em seus lucros estão destinadas ao fracasso, segundo os entrevistados da pesquisa. Ainda de acordo com o estudo, as pessoas esperam que as empresas, na ordem de importância: vão além de seu negócio, criem estratégias de construção de confiança específicas para seu mercado e se posicionem sobre questões importantes para a sociedade.
“Esse movimento é interessante porque traz benefícios para a sociedade. Mas, mantendo um olhar crítico, sabemos que as empresas agem assim por pura bondade. É uma estratégia de branding que tem o propósito, a longo prazo, de manter seu lucro, ter condição de cobrar um valor maior do que seus concorrentes, porque sua reputação permite”, avalia Messa.
Fabricantes de veículos não estão sozinhas no combate à Covid-19. Messa cita a Ambev, que anunciou a produção e doação de álcool gel para hospitais, e uma união entre Itaú, Bradesco e Santander para importar e doar cinco milhões de testes rápidos de detecção da doença.
“Não há nesse mercado da concorrência, do capitalismo, alguma ação de branding que não tenha um interessa que vise o lucro. Nenhuma ação terá o altruísmo por traz. Sempre há o interesse econômico, não é preciso negar. Porém, esse capitalismo precisa de ser alguma forma sustentável”, conclui o professor da FAAP.
Já o professor Fernando Landulfo, do curso de Engenharia Mecânica da FMU, pondera que, em momentos como os vividos atualmente, as ações de grandes empresas visam muito mais a ajuda genuína que a expectativa de receber algum tipo de benefício no futuro.
“Vejo o mundo inteiro se unindo em vários âmbitos da sociedade para combater esse inimigo comum. Não acho que é apenas interesse, é questão de humanidade também. Empresas são formadas por pessoas, por sentimentos humanos”, pondera.
Adriano Resende, sócio da BrandToMarket Consulting, vê como correto o meio do caminho entre o que acreditam os professores Messa e Landulfo. “No limite, o que realmente importa às empresas são os resultados. Mas é preciso mostrar um apoio genuíno, não oportunista”, avalia Resende, também ex-executivo do setor automotivo.
O consultor explica que, antes de tomar e anunciar tais medidas de cunho social, as empresas atravessam uma série de etapas para avaliar as consequências de uma crise – sobretudo uma com o calibre da tempestade causada pela Covid-19. São envolvidos todos os departamentos, desde o RH, que vai avaliar questões possibilidades de férias e layoffs, ao financeiro, além da cadeia de fornecedores e concessionários. Por fim, o departamento de comunicação chega para divulgar tudo.
“Não vejo como oportunismo porque as empresas já têm um trabalho forte em campanhas sociais, por meio de seus institutos, principalmente com as comunidades ao seu redor. É importante manter boas relações com os vizinhos. O que muda agora é o foco, voltado para a Covid-19. No mais, governo, sociedade, colaboradores e demais stakeholders esperam um posicionamento da empresa”, explica Resende.
Para o consultor, também é importante que empresas tenham voz nesses momentos porque da mesma forma que eventuais demissões serão registradas na imprensa, as boas ações também têm que ser. “O Jornal Nacional não vai noticiar que tal fabricante está consertando respiradores, mas vai noticiar se a mesma empresa demitir ou cortar salários”, explica.
No fim, o lado humano e o corporativo podem conviver saudavelmente. “A empresa que ajuda a sociedade nesse momento o faz porque geralmente é solidária. Mas claro que alguém das finanças virá com a conta, então é natural que se capitalize em reputação”, analisa Resende, que conclui: “e tem que comunicar. Acho estranha a ideia de fazer o bem e não comunicar. Ao comunicar tira-se outras pessoas e empresas da zona de conforto e cria-se uma onda boa”.
Presidente da FCA, empresa que administra as marcas Fiat e Jeep, Antonio Filosa foi questionado pelo UOL Carros sobre quais os motivos que levam as montadoras a entrarem com força na guerra contra o coronavírus, apesar dos altos custos para produzir materiais que não estão necessariamente no escopo das empresas.
“Claro que sabemos quanto vamos gastar, mas o dinheiro não é importante agora. Não é investimento, não queremos retorno. É apenas uma singela contribuição para quem precisa”, esclarece o executivo.
autor: Rodrigo Mora
fonte: UOL / BOL Notícias