Nos dicionários e na literatura, luxo geralmente é descrito como ostentação, magnificência, superfluidade, quando não como símbolo de vaidade tola e de desprezo às dores da humanidade. Afinal, com tantas necessidades de que historicamente a espécie padece, a busca de objetos de desejo, como podem ser classificados os produtos de luxo, não demonstraria insensibilidade social?
Quem afirmar que sim terá de concordar: os milhões de potenciais beneficiários do Programa Fome Zero anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aspiram por um “luxo” – o de tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias – hoje privilégio de uma parte da nossa sociedade.
Na realidade, tudo é muito relativo. Com base nisso e recorrendo a certa elasticidade de interpretação, aqui se quer afirmar que, na produção industrial, luxo é o resultado da utilização de recursos que, somados, diferenciam como melhor um artigo concorrente de outros, similares.
Em outras palavras, luxo significa valor agregado ao longo da cadeia produtiva. É a matéria-prima, a commodity, o material corriqueiro transformado em objeto de valor e de desejo pelo acréscimo de trabalho humano, de tecnologia, de criatividade, de design e de insumos que fazem dele algo superior aos que lhe são parecidos.
A mulher de César
É aí que se insere a importância da embalagem para alçar à categoria de instrumentos de sedução produtos que não se destacariam na disputa pela atenção dos consumidores.
Numa sociedade onde o visual prepondera de forma cada vez mais esmagadora, de maneira acentuada no ato de consumir, vale a máxima de que “à mulher de César não basta ser honesta; ela precisa parecer honesta”. Assim, os produtos que vão para as prateleiras e para as vitrines disputar a preferência dos consumidores, especialmente a daqueles de maior poder aquisitivo, precisam demonstrar sua superioridade frente aos produtos concorrentes, ao mesmo tempo em que precisam ser superiores.
Desse ponto de vista, o luxo somente será supérfluo se nada acrescentar às coisas além de custos. Será visto como uma benesse se agregar valor aos produtos, transformando-os em algo que, além de satisfazer necessidades básicas, como alimentar-se e cuidar da saúde, trouxer alegrias adicionais ao consumidor. Pequenos prazeres do dia-a-dia, como o uso de um batom ou de um perfume, o consumo de um refrigerante ou de uma taça de vinho no jantar, constituem formas de compensação por prazeres maiores adiados devido a contingências. Serão luxos? Se o fossem e tivessem de ser abominados por constituírem indiferença social, pessoas solidárias tomariam apenas água – e de torneira.
Ao romper a barreira da animalidade, com a conseqüente necessidade de não mais aplacar meramente os instintos básicos, o ser humano abriu um horizonte sem limites em seu modo de apropriar-se do mundo. Quando um ancestral sapecou o primeiro naco de carne numa fogueira estava criado o que talvez constitua o luxo inaugural na trajetória do consumo. Tornava-se possível ingerir alimentos com um diferencial: o sabor do cozimento. Era o fim da condenação a comer a raiz, a folha, o grão ou a carne in natura, como fazem os animais de outras espécies. Desde então, ao consumir, as pessoas buscam, sempre que possível, alcançar alguma satisfação que vá além do essencial. Quem o consegue diferencia-se da maioria que fica no patamar, ainda que não queira cultuar tal situação. Normalmente quer.
Expressões de poder
Indo ao extremo, pode-se entender então que luxo seja sinônimo de poder, o qual se exerce pela força, que por sua vez se expressa na ostentação, esse relativamente refinado substitutivo da violência.
Sim, porque, mais do que locais e instrumentos de liturgias e cerimônias, catedrais, mesquitas, palácios, tronos e coroas cravejados de jóias constituem expressões de poder. No fundo, em seu às vezes rebuscado refinamento, o mobiliário, as roupas, as jóias e as louças antigas que hoje atraem multidões em museus da Europa e do Oriente nada mais foram do que ícones de poder-luxo a seu tempo. Sim, valorize-se a arte contida nesses objetos, mas ela é só um componente.
Para o bem ou para o mal, o luxo é uma das mais eloqüentes expressões da realidade sócio-econômica que o homem construiu em milênios: ter é ser, e ter o melhor é ser mais. A palavra é refinamento, que no âmbito aqui tratado significa que ter muito é bom, mas ter com qualidade é melhor.
Quem pode mostrar luxo mostra-se refinado. E mais importante e refinado será o luxo quanto mais forem desenvolvidos o status econômico, social e intelectual da sociedade ou da civilização. A verdade é que, ao longo da história, o luxo foi privilégio das classes dominantes. Por serem fabricados artesanalmente e em geral com materiais raros, jóias e outros artigos preciosos sempre foram inacessíveis às outras faixas da população.
Todavia o resultado social de se produzir luxo não ficou apenas nessa deformação. O fazer humano, sendo coletivo, é dinâmico e incessante. Dialeticamente, a ambição e o prazer dos poderosos pela posse de objetos luxuosos significou, na caminhada humana, o estímulo à criatividade e ao avanço dos conhecimentos e à sua apropriação social por maior número de pessoas.
Para construir um móvel no século 18 com aplicações de metal esmaltado a fogo, o objetivo maior seria provavelmente “agradar ao rei” (com as vantagens que daí advinham). Mas por trás de tal resultado acumulavam-se estudos, muito trabalho, mão-de-obra especializada, arte e ciência aplicadas. Ou, para traduzir em linguagem mercadológica, valor agregado. Socialmente, o saber se expandia, transmitiam-se ensinamentos a parceiros, ao mesmo tempo que a espionagem industrial era exercida como sempre foi. Assim o luxo de um dia passava a ser lugar-comum no dia seguinte.
A cada volta da espiral da história, a tecnologia veio tornando crescentemente acessível a camadas antes marginalizadas a posse de objetos de desejo vetados a gerações anteriores. Adornos e utensílios de vidro, dezenas de séculos antes ostentados como jóias exclusivas de faraós e sacerdotes, passariam a enfeitar casas de operários e dedos de camponeses em séculos menos remotos. Até pouco tempo atrás, viajar para a Europa ou tomar champagne era privilégio de poucos. Hoje continua sendo, mas esses poucos, os “happy few”, são muitos mais.
Diferenciação pelo valor
Nem por isso há democracia no luxo, que tem intrínseca, justamente, a função de diferenciar. A maioria das pessoas sequer sonha em consumir trufas ou caviar, ou em possuir anéis de brilhantes, automóveis Bentley. Provavelmente, porém, todos desejarão conseguir o crème de la crème naquilo que estiver ao alcance de suas posses – sabonete, iogurte, vinho, bebida, perfume. Mas como distinguir o que é melhor quando a tecnologia nivela sem parar a qualidade dos produtos?
Não há outro caminho senão o da diferenciação pelo acréscimo de valor, do reforço dos atributos que tornam um artigo mais atraente que seu concorrente. São eles:
• a qualidade intrínseca superior;
• a tradição da marca, que simboliza essa realidade;
• a embalagem, que deve proclamar esse conjunto de virtudes perante o consumidor.
Difícil, como se sabe, é encontrar o ponto de equilíbrio. O que, afinal, é uma embalagem de luxo? A mais cara? A mais rebuscada? A que apresenta design mais arrojado? Aquela que tem maior número de adereços, de preferência de alto valor? Ou será que, ultrapassando os limites do necessário e da elegância comedida, a embalagem não se transformará, exatamente, num monumento ao mau gosto? Pior ainda, pode vir a ser um monumento caro, que levará o potencial comprador do produto a ponderar se o valor pedido compensa o que ele está recebendo em troca.
Custo e simplicidade
Considere-se que a característica premium dos objetos não reside necessariamente em seu custo, mas muitas vezes na simplicidade – ou em ambos, pois um artigo de alto valor pode ter (geralmente tem) design elegante, simples, limpo (“clean”).
São clássicos os exemplos do frasco de Chanel nº 5 e da garrafa de vodca Absolut. São embalagens extremamente elegantes, de luxo por seu acabamento apurado, por seus sistemas de fechamento, por sua decoração. No entanto, se fosse necessário definir esses dois recipientes com uma só palavra, alguém usaria outra que não “simples”? Há tantos anos no mercado, seriam “velhas”, “ultrapassadas”?
Consideremos os exemplos citados, com reflexões que podem ser aplicadas a incontáveis outros casos de produtos de consumo. No caso, pode-se afirmar – sem o menor risco de resvalar para o dilema da primazia do ovo e da galinha – que o fenomenal sucesso daquele perfume e daquela bebida se deve a uma simbiose, em que a embalagem transfere valor à marca e vice-versa.
Mais apropriado talvez seja dizer que os dois exemplos escolhidos são símbolos perfeitos, ícones da “embalagem ideal”. Aliás, é irresistível perguntar: o que é isso? Lincoln Seragini, sócio diretor da Seragini Farné e praticamente instaurador do debate da condição da embalagem como adicional de valor e alavanca de vendas dos produtos no Brasil, entende que “o nome do jogo é valor ideal”. Vale dizer, “equilíbrio entre o conteúdo e aquilo que a embalagem promete”. Nesse jogo “não existe embalagem de luxo; existe produto de luxo”.
Segundo Seragini, “por melhor que seja, a embalagem não salva o produto ruim”. Assim, mais do que em qualquer outra categoria, “nos chamados objetos de desejo, ou ritualísticos, como jóias, canetas, perfumes e tudo que se puder classificar como artigos de luxo, a embalagem não pode desmentir o valor do conteúdo”.
Em suma, de tudo o que se disse até aqui talvez se possa afirmar que, em termos de consumo, luxo é a soma de uma longa cadeia de valores que vão sendo agregados às matérias-primas e aos produtos manufaturados de modo a torná-los superiores, quase únicos (ainda que consumidos por número cada vez maior de pessoas). Fundamental é que a adição de valores se dê sem exageros, na medida certa, com o uso criativo, às vezes surpreendente, de materiais e de outros recursos de embalagem. Mas isso é tema de outro capítulo.
autor: Wilson Palhares
fonte: Embalagem e Marca