O design ainda é uma profissão recente no nosso país. E quando escrevo isso posso ser contextado por muitos, mas a verdade é que nossa sociedade ainda não tem uma percepção clara de qual o trabalho do designer. As pessoas, de um modo geral, ainda não sabem o que um designer faz.
Para ilustrar isso, cito um exemplo: imagine duas pessoas que se encontram num ambiente qualquer e uma pergunta para outra: o que você faz? Se essa pessoa responde “sou médico” ou “sou arquiteto” ou “sou advogado”, o outro já imagina o que ela faz no seu trabalho e pode muitas vezes fazer outra pergunta, como para o médico: – qual sua especialidade?
Mas agora imagine que essa pessoa disse: “sou designer”. Muitas vezes, isso interrompe a conversa, porque não existe um entendimento claro do que isso quer dizer. Outras vezes ela pode dizer: – ah, você trabalha com publicidade; ou, – você é um artista; ou ainda, – você estudou arquitetura? São algumas suposições do que acontece neste nosso mercado onde a sociedade ainda não tem bem claro que profissão é esta.
Conceito de design
Então, pra começar, vou “botar a cara pra bater”, ao propor aqui um conceito de design. Conceito este que montei com outros profissionais quando eu era presidente da Apdesign, após ler vários conceitos e usando um pouco de alguns e muito de outros, com o objetivo de englobar todas as categorias de design.
“Design é uma atividade especializada de caráter técnico-científico, criativo e artístico, com vistas à concepção e desenvolvimento de projetos de objetos e mensagens visuais que equacionam sistematicamente dados ergonômicos, tecnológicos, econômicos, sociais, culturais e estéticos que atendam concretamente às necessidades humanas.”
Proponho que, se você não concorda com esse conceito, crie um pra si e divulgue para seus pares. Somente assim vamos chegar num conceito único. Mas não fique por aí sem saber definir o que é design.
Identidade profissional
Toda a profissão tem fronteiras com outras, assim como ocorre na arquitetura com a engenharia, por exemplo. Mas no caso do design, o problema é aumentado por não termos claro uma identidade profissional e por isso coloco esse como tema central.
Além da dificuldade de entendimento por parte da sociedade sobre o que é design, os próprios designers, ao invés de concentrar seus esforços para tornar as coisas mais claras, por vezes as deixam mais obscuras. É claro que o fato de a profissão não ser regulamentada contribui para essa confusão, uma vez que existem profissionais provenientes de várias áreas que atuam em design, além de termos muitos cursos de design ainda bastante recentes.
Nossos cursos (falando genericamente) também enfrentam alguns problemas. Eles nascem muitas vezes dentro dos departamentos de arquitetura ou de comunicação das faculdades e ficam como uma criança que não sai da casa dos pais, sem identidade própria.
Para piorar isso, os cursos de design são cada vez mais fragmentados. Existe curso de design gráfico, de design de móveis, de design de calçados, de design de embalagem, etc. Isso impede que se tenha uma essência única. Vou voltar a analogia com outras profissões:
Um médico, cursa medicina e depois escolhe uma especialidade. O advogado também. O arquiteto, o dentista, o economista, todos têm um curso único, que lhes dá um embasamento geral para depois escolherem uma área de atuação mais específica. O designer já começa especialista. E os cursos muitas vezes já começam pelo final. Um curso de design gráfico, muitas vezes dá uma tarefa a um aluno de desenhar um logotipo, sem que ele tenha o embasamento necessário para tal. Um médico só faz uma cirurgia (como auxiliar) no final do curso. Ok, ele lida com vidas. Mas então vamos ver o arquiteto: ele não sai fazendo um projeto de uma casa no primeiro semestre da faculdade. É preciso primeiro embasamento.
Para piorar as coisas, cada vez existem cursos de design mais curtos. Já existem cursos de design de aproximadamente dois anos, como design de embalagem, design de jóias,…
Imaginem agora o seguinte: uma empresa que busca uma assessoria de um designer, muitas vezes está buscando (embora por vezes não saiba) um profissional que tenha subsídios para enxergar as coisas de outra forma, propor caminhos diferentes, por vezes até contrapor o que está sendo pedido…
Será que em dois anos um profissional absorve conhecimentos conceituais suficientes (de história da arte e do design, de marketing, etc.) para poder exercer a função da qual o mercado realmente necessita? Ou será que estamos jogando no mercado profissionais técnicos que serão máquinas de repetir o que já existe? Retornem àquele conceito que lancei lá em cima. Será que um profissional não tem que ter uma formação mais genérica de modo a ter uma visão mais ampla antes de entrar no específico?
Escrevi tudo isso, porque acho que isso explica um pouco porque muitos arquitetos entram no mercado de design. Muitos até explicam que design faz parte da arquitetura. Para fazer parte da arquitetura, o arquiteto deveria dominar tudo que o designer domina, o que não acontece.
Mas respeito a opinião porque soube recentemente que na Itália muitos cursos de arquitetura tem algo como uma especialização em industrial design no seu final. Por isso, a grande maioria dos designers italianos são arquitetos. Esta foi a explicação que me deu um “arquiteto-designer” (como ele se intitula) italiano.
Mas vamos voltar ao Brasil: o nosso Ministério da Educação e Cultura (MEC) que deveria nos esclarecer um pouco esse assunto, acaba confundino em alguns pontos. Segundo o órgão, é atribuição do designer conceber projetos de espaços e de paisagismo, o que cria uma área de atrito com os arquitetos, uma vez que, como já é sabido, também é atribuição deste. E os arquitetos podem trabalhar com comunicação visual, o que é uma atribuição do designer.
Mas vamos procurar entender algumas coisas: o arquiteto recebe na faculdade uma formação bastante rica em história da arte e pratica bastante a metodologia de projeto, as pesquisas de referências e a formação de um conceito para o seu projeto. Além do que ele aprende a apresentar o seu projeto ao grande grupo e debater com seus colegas e professores, o que vai dando consistência conceitual e massa crítica.
Esse profissional acaba por se sentir mais seguro para ingressar em outras áreas. E se o designer não está abastecido do mesmo modo nesses conhecimentos, ele está diminuindo a barreira de entrada destes profissionais.
Para contribuir (ou agravar), vejo muitos designers formados em boas escolas do país sem o conhecimento necessário para levar a cabo alguns projetos, o que me faz pensar que existe aí uma falha. Há algum tempo atrás, perguntei a um amigo que coordena a área de projetos em sinalização de uma das grandes empresas de design do nosso país qual o tipo de profissional que ele contrata para atuar no seu setor, se um designer gráfico ou um arquiteto. A resposta dele foi a seguinte: depende muito mais da sua experiência do que da formação. Se você trabalha na área já deve ter entendido do que estou falando. O arquiteto, de um modo geral, não é bom em comunicação visual, não entende de fontes, e também não domina algumas regras de sinalização. O designer gráfico, por sua vez, trabalha muito bem com comunicação visual, mas na escala 1:1 e no papel, em duas dimensões. Costuma ter dificuldades quando tem que projetar algo em escala reduzida e em três dimensões e dificilmente sabe detalhar um totem ou até mesmo uma placa para ser executada. Para falar a verdade, muitas vezes ele não sabe como colocar cotas num desenho.
Entendo que projetos de sinalização é uma atribuição do designer, mas os cursos de design ainda são muito falhos nesse sentido, deixando brechas para que outros profissionais façam incursões nessa área.
E os ambientes? Quem são os melhores profissionais para projetá-los? Entendo que aqui é o arquiteto, que domina os conceitos estruturais, tridimensionais e a escala. Mas o melhor ainda é quando podemos contar com uma equipe de profissionais formada por arquitetos e designers de modo que o designer acrescente seus conhecimentos de comunicação visual. A contribuição de cada um na sua especialidade me parece o melhor caminho.
Mas para não ficarmos somente nessa briga de profissões, vamos nos voltar ao que interessa: o cliente. O cliente está buscando um bom resultado ao seu projeto.
Vamos pegar como exemplo o trabalho que venceu a categoria “ambientação” da 6ª Bienal de Design Gráfico: Porões da Mente, do Flavio Wild. Veja o domínio das cores e de técnicas de reprodução de imagens que este designer teve que ter. Mas também como ele tinha que conhecer iluminação, pontos de vista e visão tridimensional.
Será que se todos esses conceitos não estivessem em harmonia este trabalho teria vencido o prêmio?
Numa apresentação do Porões da Mente o Flavio foi bastante enfático na importância que teve a pesquisa realizada por ele no prédio com os habitantes do local para obter o conceito do projeto.
Ou vejam projeto do BCP da Cauduro Martino. Onde começa a arquitetura e onde termina a comunicação visual? Ainda acho que, nesses casos, não podemos abdicar de nenhum destes profissionais. O design e a arquitetura andam juntos.
De qualquer modo, vejo como urgente a necessidade de evolução dos cursos e dos profissionais em design. A profissão vive um de seus melhores momentos no mercado, uma vez que o design é apontado como uma das grandes saídas estratégicas para as empresas. E ainda existe um despreparo nos cursos de design que faz com que muitos escritórios de design sejam liderados por profissionais de outras áreas.
autor: Alexandre Guedes Müssnich
fonte: rdg
Uma resposta
Ótimo Artigo. É bem por aí mesmo…