Existe a crença que o design é algo intimamente ligado à modernidade, e que, para ser chamado cabalmente de design, necessariamente deve romper antigos paradigmas, ou seja, produzir inovações radicais, formar conceitos revolucionários ou ainda, simplesmente chamar a atenção com algo diferente e arrojado.
Na verdade o design está se alimentando diretamente da tradição e, se fosse sempre limitado ao surgimento de revoluções e novidades, já estaria reduzido a um leque ínfimo de empresas para produzi-lo e de gênios para criá-lo.
Por outra parte, o setor moveleiro é dos mais arraigados na tradição. Observa-se que um sofá ou um guarda-roupa, pouco há mudado na sua essência nos últimos 300 anos. As interferências coincidem com melhorias de ordem tecnológica de acordo com novos materiais, como o MDF e muitas ferragens inexistentes há escassos 50 anos.
Grande parte dos produtos em que o design oferece um maior destaque são justamente aqueles que aproveitam as novas prestações tradicionais, sejam autênticos ou modificados, como no caso das chapas pré-compostas Alpi ou Tabule italianas, que recriam a madeira a partir de troncos desenrolados e recolados tingidos, moldados e novamente cortados em finas lâminas, gerando assim uma nova madeira aperfeiçoada e incrementada no desempenho, pois tem melhores características que a original.
O aumento do número de materiais disponíveis aumenta em forma exponencial. Um móvel de 100 anos atrás geralmente era composto por três ou quatro materiais: madeira, ferro, cera ou goma laca. Hoje o mesmo móvel combina três ou quatro derivados da madeira, ferragens que são miniaturas tecnológicas, puxadores em plástico cromado, verniz de poliuretano, vidro, acrílico, luminárias halógenas, alumínio, etc. Mas a novidade dá-se também em produtos de único material como é o caso das cadeiras de plástico.
Feitas em uma só peça com apenas dois processos de produção (injeção e corte de rebarba), em poucos meses tomaram conta do mercado, o que deixou no caminho várias empresas, especialmente as que trabalhavam com tubo e ripas de PVC que, 15 anos atrás e por tempo reduzido, reinaram no mercado de móveis para exteriores.
Apesar dos bem sucedidos esforços das empresas italianas para venderem cadeiras de plástico para mercados de maior poder aquisitivo, este tipo de produto não tem a menor possibilidade de conquistar o mercado da velha madeira, precisamente devido à necessidade intrínseca que todos nós temos, de ter um referencial da natureza da qual somos parte.
A necessidade do componente tradicional mantém vivas e pujantes as indústrias de móveis, apesar desta pesada concorrência tecnológica.
A tradição na modernidade, não é a reprodução literal do modo de vida de nossos antepassados; hoje ninguém abre mão da praticidade que nos oferece a tecnologia, porém ainda que seja de forma subliminar, precisamos do passado para sentir segurança no presente. Por isto o mercado oferece tantos produtos com imitação de madeira, esta tratá-se de um referente tradicional importante, e já entrando no século XXI, percebemos que as casas plásticas e ascéticas, vistas nos seriados futuristas, nunca aconteceram.
Quando design e tradição se unem, o produto resultante possivelmente jamais consiga ganhar concursos ou até mesmo aparecer nas revistas do setor. No entanto, com certeza o fabricante vai ter um mercado garantido.
Numa pesquisa que tive oportunidade de realizar na Itália poucos anos atrás, e que deu origem ao livro Aprendendo com o Líder, editado pela Móveis de Valor, surpreendeu-me o fato de que 70% dos móveis italianos, consumidos na Itália, eram de estilo clássico. Os móveis de design que se vendem naquele país são em sua grande maioria para uns poucos yuppies locais e para o mercado de exportação.
O setor do móvel clássico na Feira de Milão, bastante desprezado pela mídia que visita o evento, resulta um dos mais interessantes para quem se interessa por analisar o mercado. Posso me atrever a afirmar, embora alguns colegas designers me olhem com espanto, que nesta área encontramos exemplos do que existe de mais refinado em termos de design e criatividade. Isto porque o móvel clássico, melhor chamado de inspiração clássica, tem hoje um forte componente temático que explora esta necessidade de identificação do usuário com raízes e tradição. Este novo móvel está sendo reinventado; sua função o torna diferente por estar adaptado às necessidades e espaços modernos. Já se dispõe das técnicas para produzir artificialmente furos de traça, fezes de mosca, etc., conseguindo assim proporcionar ao móvel um aspecto surrado e envelhecido, não importando se estes são para computador, estantes para TV ou barzinhos com geladeira.
Como fazer compatível as comodidades modernas com o produto de inspiração clássica, e dar credibilidade ao produto resultante em sua comunicação aí reside o grande desafio que muitos designers anônimos, por fora do circuito das badalações, executam com maestria.
autor: jorge montana
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