Atire um “like” quem nunca passou por uma das situações a seguir. Você abre um site e imediatamente surge na tela um banner chamativo com tamanho suficiente para atrapalhar a navegação. Você procura, procura e nada de achar um botão para fechar a peça. Ou ainda: após adquirir um serviço pela web e não gostar, você tenta encerrar o contrato, mas… cadê o botão para cancelar a assinatura?
Ficou frustrado com alguma das cenas acima? Saiba que você foi vítima das armadilhas que aplicativos e sites plantam no design de suas plataformas para enganar usuários e conseguir mais dados pessoais, reter um cliente insatisfeito ou aumentar o engajamento. A tática tem até nome: é conhecida entre designers como “dark pattern” (veja exemplos abaixo). Ela não irrita só você: autoridades norte-americanas e britânicas querem tornar a prática ilegal e multar empresas que a fizerem. Mas até quem é contra avisa: não vai ser fácil, afinal, o design é o reino da subjetividade.
“‘Dark pattern’ são manipulações do design de uma interface para convencer o usuário a fazer algo especifico, normalmente algo contraintuitivo ou contra a vontade dele”, explica Fabrício Teixeira, diretor de design da Work & Co, firma que cria o design de produtos e desenvolve serviços para grandes empresas como Apple, Google, Facebook, Nike e Disney.
Quando o negócio aperta
Para ele, essas práticas não são nenhuma novidade no mundo online e é difícil identificar quando começaram a proliferar, porque “isso existe desde que a web é web”. Mas é possível detalhar, diz, a motivação por trás da decisão de usar recursos gráficos para ludibriar clientes: impulsionar o negócio acima das necessidades dos consumidores.
Rick Freitas, consultor em design da ThoughtWorks, concorda. “O ponto central do ‘dark pattern’ é usar truques ou armadilhas digitais para alavancar vendas”, diz.
Só que no mundo digital, não são apenas as vendas que contam. Algumas empresas correm atrás de outros objetivos: fazer alguém permanecer por mais tempo navegando em uma página, convencê-lo a assinar um serviço e depois impedir que ele desista, levá-lo a se cadastrar em uma plataforma ou conseguir que ele forneça mais dados.
É aí que entram os truques do design. É claro que nem todo elemento gráfico é destinado a confundir as pessoas. A maioria é pensada para facilitar a vida de quem tenta encontrar uma informação, serviço ou produto ou para melhorar a experiência de quem costuma frequentar determinada plataforma. Mas, na hora do aperto, alguns deles são criados com o propósito de fazer o negócio por trás da plataforma ser bem sucedido.
Toda empresa tem uma visão de mundo incrível. O Google quer organizar a informação do mundo, o Facebook quer conectar pessoas. Mas, na prática, os times de venda, de produto e de marketing têm metas de curto prazo muito agressivas. Eles pensam: ‘Legal, o Facebook quer conectar pessoas’ Mas a gente não pode ter abandono de usuário de mais de 1% por ano?. E os times têm que usar o que podem para entregar. – Fabrício Teixeira
Os designers ouvidos pelo UOL Tecnologia contam que o uso dessas práticas é considerado um desvio ético, mas a decisão para plantar um desses obstáculos gráficos no caminho das pessoas não é clara. “A realidade do mundo dos negócios é que tem a meta do fim do mês para bater. Aí você vai ter que tomar sua decisão de seguir seu senso ético ou fazer o que seu chefe pediu”, conta Teixeira. E o consumidor no meio de tudo isso?.
Às vezes, eles nem percebem que estão sendo sacaneados. – Fabrício Teixeira
Como você está sendo sacaneado
As armadilhas gráficas do “dark pattern” podem ter grau variado de complexidade. Pode ir desde a simples inversão de cores associadas tradicionalmente a determinadas ações até a criação de plataformas inteiras destinadas única e exclusivamente a enganar você.
“A gente geralmente opta por vermelho para botões de cancelar e verde para aqueles que iniciam um processo. Algumas plataformas trocam as cores ou diminuem o tamanho do botão cancelar e aumentam o do botão permanecer para deliberadamente enganar as pessoas”, exemplifica Freitas.
Incluem-se na categoria dos truques simples os banners que surgem em sites e não possuem botão para fechar as peças – ou os reduzem a ponto de você não conseguir enxergar – e as listas de e-mails de propaganda direita que escondem a possibilidade para você deixar de receber as mensagens. Esta última prática, lembra Freitas, é proibida no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor.
Entre as práticas de complexidade média estão os sites de reserva de hotel ou de passagens aéreas que tentam pressionar o consumidor a comprar logo. Para isso, avisam que há poucos lugares disponíveis à venda.
Já os casos mais complexos são aqueles em que todo o modelo de negócio é baseado em um embuste. Exemplo disso são serviços de coaching ou mentorias online em que não fica claro qual é o objeto do serviço oferecido até que ele tenha sido, de fato, contratado. Teixeira acredita que, apesar de as técnicas de “bad pattern” não serem novidade, a discussão sobre elas voltou à tona justamente porque os casos mais complexos exploram um tema que virou a preocupação do momento: sua privacidade.
O modo como a Cambridge Analytica, consultoria política que auxiliou Donald Trump, coletou os dados das pessoas é considerado por eles como um símbolo de “bad pattern”. A princípio, um psicólogo criou um teste de personalidade que circulou no Facebook. . Para acessá-lo, as pessoas tinham que dar permissão para que o quiz coletasse alguns de seus dados pessoais e o de seus amigos. Nada de mais até aí. Só que as informações de milhões de pessoas foram usadas para outro objetivo não revelado aos participantes: encontrar brechas psicológicas para manipular o voto desses indivíduos.
Esse caso da Cambridge Analytica é um exemplo de ‘dark pattern’ em que o uso das informações não é só antiético mas também criminoso. O foco do negócio nunca foi o quiz, mas criar uma forma de capturar os dados das pessoas. – Rick Freitas
A estratégia de design que empresas digitais adotam para manter as pessoas engajadas ou tomar decisões erradas começou a entrar na mira de autoridades pelo mundo afora. A preocupação é conter a forma como esses truques são usados para abrir um rombo na privacidade das pessoas e também como seu uso indiscriminado pode afetar crianças e adolescentes.
O Gabinete do Comissário de Informação do Reino Unido (ICO, na sigla em inglês) anunciou na semana passada uma proposta para proteger a privacidade de crianças e adolescentes que impacta diretamente na forma como sites e apps são desenhados.
Para o ICO, as interfaces dessas plataformas lançam mão de elementos gráficos como “técnicas de pressão” e “ciclos de recompensa” para convencer uma pessoa a se manter conectada indeterminadamente com o objetivo de coletar cada vez mais dados sobre sua atividade. Essas informações são posteriormente oferecidas a anunciantes em forma de um perfil sobre aquela pessoa.
Chamada de Código de Design para a Idade Apropriada, a proposta quer fazer plataformas online seguir três regras:
- ter configurações que preservem a privacidade de crianças configuradas como padrão e não apenas opcionais;
- explicar como as informações pessoais são coletadas usando linguajar apropriado para cada idade;
- reunir a menor quantidade possível de dados de crianças; e desenhar seus serviços para as crianças.
Cada uma dessas exigências deverá ser adaptada para as idades de 0 a 5 anos, de 6 a 9 anos, de 10 a 12 anos, de 13 a 15 anos e de 16 a 17 anos. Uma versão final do projeto ser enviado ao Parlamento Britânico até o fim do ano.
Nos Estados Unidos, os senadores Mark Warner e Deb Fischer protocolaram um projeto de lei para proibir plataformas online com mais de 100 milhões de usuários de usar “dark patterns”.
A proposta determina que:
- Serviços que “desenharem, modificar ou manipular a interface do usuário com o propósito ou efeito substancial de obscurecer, subverter ou prejudicar a autonomia, capacidade de decidir ou de escolha do usuário para obter consentimento ou seus dados” sejam considerados ilegais;
- Recursos que “cultivem uso compulsivo” de crianças até 13 anos sejam banidos;
- 00As plataformas sejam obrigadas a detalhar experimentos conduzidos “com o propósito de promover engajamento ou a conversão [de vendas]”.
A ideia é que essas determinações sejam colocadas em prática pela Comissão Federal de Comércio (FTC) e outro órgão externo com poder de regulação.
Apesar de repudiar essas práticas, os designers adiantam que identificá-las não será tarefa fácil. “Vai ser um grande desafio traçar linhas muito claras do que é e do que não é. Design é muito subjetivo, mas o caminho é esse mesmo: criar restrições legais”, afirma Teixeira, que trabalha em Nova York, nos EUA.
Sabendo da dificuldade de localizar essas armadilhas, o designer Harry Brignull, que já trabalhou no Spotify, criou uma página destinada a detalhar truques e “dark pattern” e reunir exemplos dessas práticas. Veja abaixo 10 tipos:
- Fisgar e mudar: você é levado a optar por uma ação, mas a plataforma faz não só algo totalmente diferente como, muitas vezes, indesejável.
- Opção embaraçosa: são as tentativas de culpar ou envergonhar o usuário por tomar uma decisão.
- Anúncio disfarçado: anúncios disfarçados como outros tipos de conteúdo ou elementos de navegação para que você clique neles. Assinou?
- Tem que pagar: um serviço de assinatura oferece um período de uso gratuito, mas exige o número do seu cartão no cadastro. Só que, quando o tempo de teste termina, a plataforma não avisa e começa a cobrá-lo.
- Spam amigo: o site ou app pede seu e-mail ou permissão para acessar suas redes sociais sob o pretexto de que vai faz.
- Despesas ocultas: você já está na última etapa de compra de um site de comércio eletrônico e só então é informado que o preço final subiu devido a cobranças inesperadas como taxas de entrega ou impostos.
- Mal direcionado: o design do app ou site é desenhado de tal forma que você é levado a prestar atenção em um elemento benéfico do produto e não notar algo negativo.
- Comparar preço para que?: um varejista online dificulta a comparação o preço de dois itens da mesma categoria para você não tomar uma decisão mais bem informada.
- Sem privacidade: você é levado a compartilhar publicamente mais informações sobre você do que pretendia. Beco sem saída: o design da plataforma faz com que seja.
- Beco sem saída: o design da plataforma faz com que seja muito fácil entrar em uma situação, mas que seja extremamente difícil sair dela (por exemplo, uma assinatura).
fonte: Bol Notícias