Em tempos de crise pode parecer pedante ou, no mínimo, insano negar trabalho. Mas, depois de me sentir pressionada por muitos pedidos de propostas para pesquisas, palestras e consultoria, me vi assolada pelo meu próprio sucesso ou reconhecimento. De repente, me vi tendo que crescer a força, pois eu já não dava conta sozinha de tantas demandas – me vi com um, dois e até três assistentes. Meu Deus, uma hora eu já não era mais a antropóloga e sim uma marca que geria pessoas. Estava a ponto de perder minha identidade tão cuidadosamente construída, o prazer em realizar estudos aprofundados e proprietários. Um dia, me vi sem brilho no olho pra fazer o que mais amo: ser, simplesmente, uma antropóloga.
É inegável que ser reconhecido pela empenho, qualidade e relevância nos traz sentimentos extraordinários, nos vemos em certos momentos no topo do mundo, um tipo de vitória por tantos anos de trabalho e estudo não é nada mal, certo? Ainda mais em plena instabilidade econômica, não sentir a crise batendo na nossa porta é um privilégio que nunca poderia imaginar. No entanto, minha grande questão não se tratava disso. Ok, tudo isso que pode ser lido como um “mimimi” burguês deslocado da realidade, na verdade era uma busca de sobrevivência a longo prazo. Eu quero me preparar para correr 100 metros livres e quebrar recordes ou pretendo me preparar para uma maratona de longa distância e apostar em um crescimento contínuo gradual?
A primeira questão a ser compreendida é o conceito de sucesso que precisa ser relativizado. Ter sucesso é muito mais do que a quantidade de notas que emitimos, lucro financeiro ou poder de compra, na verdade, lidamos com um entendimento culturalmente construído que nos impõe certos signos que nem sempre ecoam para todos.
Resumidamente isto significa que: o que é sucesso para uns pode ser o mesmo que opressão para outros. Entendi que nos últimos meses o que o senso comum conhece e busca como sucesso pra mim era pura tirania. Porque esse sucesso ameaçava o que eu mais preso em tempos atuais: qualidade do uso do tempo.
Como cheguei a essa conclusão? Não sei ao certo, um dia a gente acorda com um questionamento existencial e segue em busca de saber o que é aquela pedra no sapato da alma. Metaforicamente, me sentia usando uma roupa de material rijo dois manequins a menos que o meu. Estava tudo certo, estava tudo indo bem, então o que me trazia tanto incômodo?
Percebi que a forma de se ganhar dinheiro por meio do exercício do ofício não era tão simples como eu imaginava. Minha memória de escassez se fazia presente e o fantasma da dificuldade financeira me assustava quase sempre, como uma ameaça constante que me dizia que uma hora aquela onda de sucesso poderia acabar.
A vida de um profissional autônomo não pode ser simplesmente viver em prol das emissões de notas e vigilância dos recebimentos, a conversão para uma vida empreendedora não deve repetir a fábrica de salsichas do sistema empresarial. Então, o que estamos fazendo afinal? Para onde estamos indo? Como apostar nesse novo modelo de relação de trabalho?
Num sobressalto entendi que precisamos nos questionar constantemente como uma espécie de “auto-vigilância”: o dinheiro te serve ou você serve o dinheiro? Quem manda em quem nessa relação?
Quando viramos a chave de entendimento sobre o nosso papel no mundo, o que queremos deixar de legado, o que nos move e tensiona a querer andar pra frente, passamos a compreender que a vida não é apenas sobre ganhar dinheiro e pagar boletos. Vi na minha trajetória quanto intelectual e pesquisadora que o ganho da moeda não pode e nem deve ser o componente central, ele faz parte de sustentabilidade vital, mas não é e nem pode ser a principal finalidade.
Continuei a tratar o dinheiro com o respeito que lhe cabe, mas no seu lugar, com serventia adequada a minha realidade e não mais como um dogma. Assim, me dei conta do quanto precisava e fui em busca do necessário para a vida, do primordial para satisfazer meus desejos, agora o dinheiro me serve.
Foi exatamente nesse momento que voltei a tomar as rédeas da minha carreira. Atendo clientes que gosto, escolho temas a serem estudados que me pareçam pertinentes e sigo em frente em busca do novo objeto de estudo que me fará acordar da cama de sobressalto com sangue nos olhos e curiosidade em alta me perguntando constantemente em sentido figurado: qual será o meu próximo doutorado?
Reconheço que os clientes precisam tanto de mim quanto eu deles, descobri que não preciso dizer sim para tudo, entendi que podemos dizer não quando o tema ou o momento não é propício e passei a reconhecer que não vale à pena investir meu tempo em produtos que não confio, em temas que não me acrescentam e, depois de 19 anos de formação, meu cérebro não pode ser usado levianamente. Eu preciso respeitar meus muitos anos de dedicação, provação e desconforto emocional. Uma soma muito cara para ser negociada de forma insensata.
Te desafio a colocar em prática um exercício:
1) Faça uma conta simples sobre quanto custa a sua vida hoje mensalmente;
2) Busque este valor, talvez um pouco mais, para um fundo de reserva;
3) Depois disso passe a se respeitar, pondere, aprenda a dizer não, tente uma vez, não tenha medo;
4) Invista em seus pequenos prazeres: leitura, exposições, filmes, nutre-se com aquilo que mais te traz contentamento e bem-estar.
Resultado: essa libertação te realimentará dia a dia. Aposto que você se sentirá mais forte e oxigenado para viver uma fase mais plena, onde todos os campos da vida começarão a coexistir de forma balanceada. Pode parecer clichê, mas é essa liberdade que não tem preço. A nova moeda da contemporaneidade é o tempo.
Vai por mim. Você amará ir ao cinema no meio da tarde de uma terça-feira.
autor: Hilaine Yaccoub
fonte: Consumidor Moderno