Dia desses me vi de novo envolvida numa discussão sobre se as pessoas devem ou não ser julgadas pela roupa que vestem e se a empresa pode recusar ou contratar um candidato com base na sua vestimenta no dia da entrevista.
Esse é um assunto recorrente que sempre faço questão de discutir em minhas aulas em cursos de design. A roupa é uma ferramenta de comunicação como outra qualquer. Roland Barthes, famoso e respeitado filósofo que dedicou boa parte de sua vida ao estudo da semiologia (o estudo dos signos e seus significados) chegou a escrever um livro inteiro sobre o assunto chamado “O Sistema da moda”. Ele dizia que ninguém se veste impunemente. O ato de vestir, em nossa sociedade, é cuidadosamente codificado.
A roupa diz muito sobre a pessoa. E não tem nada a ver com o poder aquisitivo. Uma das pessoas mais elegantes e bem vestidas que já conheci foi uma faxineira numa das empresas onde trabalhei. Ela estava sempre ereta, com o uniforme impecável, uma leve maquiagem e as mãos sempre feitas! O profissionalismo que essa mulher transmitia excedia a qualquer concorrente. E quantas mulheres riquíssimas que você conhece que parecem um espantalho de exagero e mau gosto?
Quando um designer gráfico, uma pessoa essencialmente visual, vai a uma entrevista com roupas que não combinam entre si, dá para desconfiar da sua competência, da sua cultura visual. Se ele não tem “olho” para perceber a dissonância, o desequilíbrio, a disparidade entre as cores, como é que vai dar para confiar no trabalho que ele vai fazer? Se ele não se incomoda com o ruído visual, com o feio, com a falta de sintonia, então ainda não está maduro. As pessoas não são modulares. Elas são inteiras. Ou têm “olho”, ou não têm. E como eu disse antes, não tem nada a ver com o poder aquisitivo nem com estilo. Há roupas de marca, caríssimas, horrorosas. E camisetas de balaio bem charmosas.
Quando um ator de televisão aparece em um casamento de celebridades vestido com um jeans rasgado, de maneira alguma isso significa que ele não liga para roupas. Ele liga muito, e a tal ponto que precisa desesperadamente se diferenciar dos outros usando esse recurso. Se ele vestisse um terno como todos os outros convidados, estaria prestando uma homenagem aos noivos (“eu nunca visto terno e odeio gravatas! Só mesmo o meu grande amigo Fulano é capaz de fazer valer tal sacrifício”), mas sumiria na multidão. Ele se veste de maneira inadequada e a mensagem a ser lida é “Estou pouco me lixando para o meu amigo Fulano. O meu jeito de ser e as minhas opiniões são mais importantes que tudo!”
Como a roupa tem códigos, com certeza há linguagens e vocabulários específicos para cada ocasião. Se quero ser desejada, vou a uma festa com um vestido curto e sensual. Mas no trabalho, se quero que a mensagem principal seja “vejam como sou competente”, não dá para usar o mesmo vestido. Ele está “berrando” uma mensagem diferente.
Se vou visitar um cliente e sei de antemão que ele é formal e conservador, o que custa tirar os piercings mais visíveis? Não se trata de fingir ser quem você não é. Trata-se de adequar a linguagem à situação. Com certeza, numa mesa de bar, depois de 3 cervejas, com amigos de infância, você não usa o mesmo vocabulário que numa reunião de diretoria, não é? A sua atitude também é diferente. No bar você pode sentar de maneira relaxada, com as pernas esticadas. Pode até colocar o pé em cima de uma cadeira, dependendo do lugar. Numa reunião de negócios, jamais.
Qual o problema em adequar a atitude, roupa, linguagem à cada situação? Isso mostra que você domina bem as ferramentas de comunicação e tem sensibilidade para verificar o contexto e se adaptar. Não sai falando alemâo num encontro onde está todo mundo conversando em chinês.
Os atributos essenciais da pessoa não são alterados pela roupa. Mas podem ser muito bem traduzidos por ela. E atributos essenciais importantíssimos para um profissional são a flexibilidade, a capacidade de adequação, a empatia, a facilidade de comunicação, a sensibilidade para interpretar contextos, e o domínio das linguagens.
Assim, quando uma empresa dispensa uma candidata a gerente de negócios porque ela foi à entrevista com a lingerie preta e pink aparecendo no profundo decote, não é porque os examinadores são caretas e moralistas. É porque ela não tem domínio sobre a linguagem, não sabe se comunicar. Não possui um atributo essencial que é a capacidade de entender o cliente e falar a linguagem dele para ser melhor entendida. Ela acha que o seu jeito sensual de ser é mais importante que tudo. É uma “sem noção”. Não dá mesmo para contratar.
autora: Ligia Fascioni
fonte: Acontecendo Aqui